segunda-feira, 3 de junho de 2013

o ROÇA N’ ROLL é (e) o mundo

‘E enquanto viver
Também depois, na luz
Ou num vazio fundo
Perguntarei: até quando?
Até que se desfaçam
As cordas do sentir

Nunca até quando.


Comecinho dos anos dois mil, lembro-me bem o choque que foi meu primeiro Roça n’ Roll, ainda no Sítio Engrenagem. Em tempos de internet discada, entre a fita cassete e o CD, ainda havia espaço para o deslumbre de ver e viver o som, na pele, e não só ouvir em casa ou ver no youtube.

Virver e se perder em meio àquela multidão embriagada, de roupas negras, cabelos longos (o meu na época, nem tanto) era um êxtase. Tenho certeza, sem exageros, que o rumo de muitas vidas são traçados em lugares apoteóticos como esse. Fora os amores e amizades que se fazem e se desfazem aí, a partir daí. 
Algo como pensar, mesmo sem pensar, ou dizer, mesmo sem dizer: “É ISSO! porra.”

Tanto para o menino de então, como para o menino de agora, ainda com o corpo dolorido, a roupa suja e a alma lavada, depois do décimo quinto episódio do ROÇA.

Interessante demais essa capacidade gregária que a música tem, que a cultura de forma geral tem, especialmente quando, sob um signo comum, ela se abre para outras tantas possibilidades. O Heavy Metal, que desdo blues até rock, e daí para o blacksabanismo que se transmutou em tantas expressões, unindo nesse movimento rizomático, o local e o global, aparece aí como chave para se pensar o contemporâneo.

Prova disso foram as três atrações principais desse ano: Grave Digger, Orphaned Land e Tuatha de Danann. O Grave, veterana com mais de 30 anos de banda, dispensa apresentações, o show não deixou nada a desejar, com todos os clássicos que todos queriam ouvir, e a presença de palco inconfundível da banda. Subiram no palco como quem sabe o que foi fazer ali, e fizeram. The clans are still marching.

O Tuatha, junto da lenda cachaceira Martin Walkyier, fizeram um show esperado por muitos. Não adianta, Bruno, Geovane, Berne: NÃO DEIXEM ESSA BANDA ACABAR. Era isso que o público, cantando, pulando, dançando todas as músicas diziam, sem dizer, todo o tempo. O grupo faz uma feliz mescla de música celta, Heavy (doom, death etc.) Metal e principalmente, muita criatividade, tato e talento de cada integrante. Eu vi gente chorando lá no meio, e se isso aí não for motivo para a arte, não sei o que é. Já que ninguém vai salvar o mundo, vamos criar nossos espaços no meio do inferno. Foi ótimo ver vocês de volta, e esperamos que seja outro primeiro passo rumo a um horizonte cada vez mais promissor, que já mostrava seu rosto desde os shows em troca de cachaça no Nove Luas, no Minas Rock. O Tuatha tem tudo pra ser o que um Sepultura, um Tom Jobim, um Villa Lobos já foi e é para o Brasil e o mundo.

Finalmente, o que para muitos foi uma agradabilíssima surpresa: o Orphaned Land. A banda de Israel impressionou com a qualidade absurda de cada um dos músicos, fora o carisma, a presença de palco, e suas composições que mesclam a música do oriente-médio com um prog./doom metal, que transita por diversos gêneros, mostrando que, sim, ainda há espaço para a criação, para o encontro entre os “diferentes”. E para uma preocupação política e humana, junto da produção artística, como eles não se cansam de repetir, inclusive no título de seu novo álbum “All is One”.

A música une. Como os ônibus de Lavras (os últimos, pra variar) que atolaram na lama do estacionamento na hora de sair, e precisou do braço de boa parte dos 100 que estavam lá, detonados, querendo ir pra casa.
Une a seriedade de alguns com piãozagens como guerreiros do star wars invadindo o festival a caráter, fora as presepagens de tanta gente, os causos, e a publicidade que mescla em imagem e linguagem, o tantas vezes cisudo rock n’ roll com o bom humor do interior caipira, onde se vê bem a cara dos organizadores, como o Bruno e o Rodrigo Monstrão.

Felizmente, em meio à vida virtualizada que cresce exponencialmente, ao rodízio de (cultura de) massas, pão e circo que vemos pelas ruas e mídias, esse pessoal, como tantos outros, vão nadando contra a corrente, contra a ‘Cultura’. A neotribalização que junta afins a partir de significantes estéticos e ideológicos comuns, não serviu só para reproduzir padrões vazios, gerar mais solidão prometendo o contrário (a la rivotril) ou incentivar violências (inclusive não vi nenhuma, no festival). Ela pode servir, sim, índios que somos, roots que somos, antropófagos que somos, para criar o novo de novo.

A estética do grotesco, desde Poe e Baudelaire, nos mostrou que o belo vai além do “bonito”, mas está no expressivo. No que agrega, sintetiza, engole e vomita. E aí está o Motoserra, o Cracker Blues, Aneurose, o Kernunna, o Malefactor e tantos outros, berrando isso. Até perder a voz, e encontrar outras.

Entre um vinho barato e outro, entre um murro na cara num mosh e um abraço de quem está se conhecendo ou se re conhecendo depois de muito tempo.



 Saio desse texto, como quem pisou no barro da roça e da criação; e gostou do que viu.

foto: Orphaned Land e alguns de nós

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